SAGRADO Acadêmico apresenta artigo de Júlia Alves Sabatovich, da 3ª série 1, sobre o conflito Israel-Palestina

Educação

10 de Setembro de 2025
SAGRADO Acadêmico apresenta artigo de Júlia Alves Sabatovich, da 3ª série 1, sobre o conflito Israel-Palestina

SAGRADO Acadêmico apresenta artigo de Júlia Alves Sabatovich, da 3ª série 1, sobre o conflito Israel-Palestina

O Projeto SAGRADO Acadêmico segue promovendo reflexões críticas e atuais por meio da escrita dos educandos do Colégio Coração de Jesus, Unidade Educacional do SAGRADO – Rede de Educação. Nesta edição, apresentamos o artigo de Júlia Alves Sabatovich, educanda da 3ª série 1, que analisa o pensamento do historiador Léon Poliakov sobre a relação entre antissionismo e antissemitismo no contexto do conflito Israel-Palestina.

Confira, na íntegra, o artigo produzido pela educanda:


Do antissionismo ao antissemitismo: lições de Léon Poliakov para o conflito Israel-Palestina

Por Júlia Alves Sabatovich
Educanda da 3ª série 1 do Ensino Médio do Colégio Coração de Jesus

“The fact that antisemitism continues to exercise such an agonizing hold upon the collective imagination of Jewish communities today stems as much from the memories of the past as the experiences of the present [O fato do antissemitismo continuar a exercer uma influência tão agonizante no imaginário colectivo das comunidades judaicas de hoje deriva tanto das memórias do passado como das experiências do presente.]”[3]

(WISTRICH, 2010, p. 1).

Este artigo pretende analisar as importantes contribuições do livro Do Anti-Sionismo ao Anti-Semitismo, do historiador Léon Poliakov (1910-1997), especialista em antissemitismo, especialmente para o debate político atual sobre o conflito Israel-Palestina. A obra foi publicada no Brasil no ano 2000 pela Editora Perspectiva, na coleção Debates, sob o número 208. A tradução para o português foi realizada por Geraldo Gerson de Souza. A principal preocupação de Poliakov é mostrar que o antissemitismo – tão caraterístico dos regimes totalitários na 2ª Guerra Mundial – ainda ronda a política global.

Por exemplo, em 2024, o Brasil registrou um aumento significativo nos casos de antissemitismo, conforme apontado por diversos relatórios e análises. A Confederação Israelita do Brasil (CONIB) e a Federação Israelita do Estado de São Paulo (FISESP) divulgaram que, no primeiro mês após os ataques do Hamas em outubro de 2023, houve um aumento alarmante de mais de 1.000% nas denúncias de atos antissemitas no país, comparado ao mesmo período do ano anterior. Além disso, em 2024, a CONIB registrou 1.788 denúncias formais de antissemitismo, representando um aumento de 350% em relação a 2022.[4]

Paralelamente, a Universidade de Tel Aviv, em seu relatório anual, destacou que o antissemitismo permaneceu em níveis historicamente elevados ao redor do mundo em 2024, incluindo no Brasil. Embora tenha ocorrido uma leve retração no número de incidentes após os ataques de outubro de 2023, os dados gerais ainda indicam um crescimento preocupante no número de casos registrados.[5]

Esses dados refletem uma tendência alarmante de aumento do antissemitismo no Brasil, com manifestações de ódio contra judeus se tornando mais frequentes em diversos espaços, incluindo manifestações públicas e redes sociais. É essencial que a sociedade brasileira se una para combater essas manifestações de intolerância e promover  um ambiente de respeito e convivência pacífica.

Diante disso, o que podemos aprender com a obra Do Anti-Sionismo ao Anti-Semitismo, de Poliakov? A primeira coisa que aprendemos é que discursos políticos antissionistas podem servir de disfarce para preconceitos muito mais antigos. Escrito em um contexto de fortes tensões no Oriente Médio e de intensos debates na Europa, o livro de Poliakov mostra que, mesmo em sociedades modernas e democráticas, a intolerância contra os judeus não desapareceu; apenas mudou de forma.

De forma especial nos capítulos 4 e 5, a análise de Poliakov é particularmente importante, pois trata da polêmica árabe em torno do sionismo[6] e do debate intelectual e político que se intensificou na França depois da Guerra dos Seis Dias, em 1967.[7] Ao discutir esses dois momentos históricos, Poliakov alerta para os perigos de quando a crítica política deixa de ser objetiva e se transforma em preconceito generalizado contra um povo inteiro (o antissemitismo).

Na chamada polêmica árabe, Poliakov explica que a criação do Estado de Israel, em 1948, foi vista por boa parte dos países árabes como uma injustiça e até como uma agressão. Para eles, o sionismo não era apenas o movimento de libertação nacional do povo judeu, mas um projeto colonialista apoiado pelas potências ocidentais, especialmente a Inglaterra e, mais tarde, os Estados Unidos. Essa narrativa se consolidou, sobretudo porque a criação de Israel implicou a expulsão e o deslocamento de centenas de milhares de palestinos, episódio lembrado como a Nakba, a “catástrofe” palestina.[8]

Dessa forma, o ressentimento árabe tinha um fundamento histórico: a perda de territórios, a condição de refugiados e a sensação de injustiça diante do apoio internacional dado ao novo Estado. No entanto, Poliakov observa que esse sentimento legítimo de luta política e territorial, em muitos momentos, foi acompanhado por discursos que ultrapassavam os limites da crítica ao Estado de Israel e se tornavam abertamente antissemitas.

Propagandas oficiais e até manuais escolares em alguns países árabes passaram a reproduzir estereótipos clássicos contra os judeus, como a ideia de que formavam uma conspiração mundial para dominar governos e economias, ou que eram naturalmente traiçoeiros. Essas representações não tinham relação com a disputa concreta no Oriente Médio, mas sim com preconceitos antigos, que já circulavam na Europa desde a Idade Média e que haviam sido reforçados no século XX pelo nazismo. Assim, o antissionismo – que poderia ser apenas uma posição política – muitas vezes se confundiu com o antissemitismo, transformando uma crítica específica em ódio generalizado.

Esse desvio é importante porque mostra como o preconceito pode se disfarçar de opinião política. Criticar governos, políticas ou até mesmo a própria ideia de um Estado faz parte do debate democrático. No entanto, quando se coloca todos os judeus no mesmo pacote, como se fossem coletivamente culpados pelas ações de Israel, já não se está discutindo política, mas reforçando estigmas. O alerta de Poliakov é que esse tipo de confusão não é inocente: contribui para manter vivo o antissemitismo, mesmo em tempos modernos e sob novas máscaras.

Há uma linha muito tênue entre uma visão política antissionista legítima, e uma visão preconceituosa antissemítica, e não poucas vezes se alega ter a primeira, para praticar o racismo da segunda. No Brasil, temos o emblemático caso (Siegfried) Ellwanger, que publicou livros considerados antissemitas, foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) com base no Art. 20 da Lei n. 7.716/1989, com redação dada pela Lei n. 9.459/1997, além, claro, da Carta Magna. O que chamou a atenção foi que Ellwanger se defendeu dizendo, entre outras coisas, que era um antissionista e que antissionismo não se confundiria com antissemitismo.[9]

 A análise do capítulo 5 reforça ainda mais essa percepção, agora a partir do caso francês. Depois da Guerra dos Seis Dias, em 1967, o equilíbrio das narrativas sobre Israel mudou. Antes desse conflito, Israel era muitas vezes visto pela opinião pública internacional como um pequeno país ameaçado, cercado de inimigos muito mais numerosos e poderosos, transmitindo a imagem de um Estado frágil em luta pela sobrevivência. No entanto, ao derrotar rapidamente os exércitos do Egito, da Síria e da Jordânia e ocupar territórios estratégicos como a Cisjordânia, Gaza, Jerusalém Oriental, os Montes Golã e o Sinai, Israel passou a ser visto de outra forma: não mais como vítima, mas como potência militar e ocupante.[10]

Na França, essa mudança de perspectiva teve consequências intensas. O debate público, que antes tendia a simpatizar com Israel, se dividiu. Uma parte da esquerda francesa, engajada em movimentos anticoloniais e solidária com os povos que lutavam contra o imperialismo, passou a ver Israel como um país agressor, alinhado ao Ocidente e contrário ao direito dos povos árabes. Essa crítica política tinha fundamentos claros, pois a ocupação de territórios e o tratamento dado aos palestinos levantavam questões de justiça e autodeterminação. O problema, como destaca Poliakov, é que em muitos casos esse discurso não se limitou a criticar o Estado ou seus governantes. Ele derivou para generalizações contra os judeus de modo geral, como se houvesse uma identidade única entre o Estado de Israel e todo o povo judeu espalhado pelo mundo.

O caso francês é especialmente revelador porque ocorreu em um país democrático, com longa tradição de pensamento crítico e intelectual. Ainda assim, mesmo em um ambiente que deveria favorecer debates racionais, o preconceito encontrou espaço. Jornais, intelectuais e até grupos políticos que se posicionavam contra Israel, em alguns casos, acabaram retomando estereótipos clássicos do antissemitismo europeu. Para Poliakov,[11] isso demonstra como o preconceito não precisa de muito para ressurgir: basta que ele encontre uma causa, uma justificativa aparente, para se manifestar novamente, seja em slogans, artigos ou até mesmo atos de violência.

Ao refletir sobre esses dois capítulos, fica evidente a mensagem central do autor: é preciso aprender a distinguir entre crítica política e preconceito. Questionar governos e suas políticas faz parte de qualquer sociedade democrática, mas transformar essa crítica em acusações contra um povo inteiro é repetir erros do passado. A polêmica árabe e o debate francês depois de 1967 mostram como a linha entre opinião legítima e intolerância pode ser tênue, e como a falta de cuidado nessa distinção abre caminho para a perpetuação do ódio.

Essa discussão é atual porque fenômenos semelhantes acontecem em nossos dias. As redes sociais, por exemplo, são espaços onde críticas legítimas podem rapidamente se transformar em discursos de ódio.[12] Muitas vezes, uma postagem que poderia ser uma análise política vira um espaço para insultos contra religiões, etnias ou culturas inteiras. A lição que Poliakov nos deixa é que precisamos estar atentos para não cair nessas armadilhas. Quando se confunde Estado com povo, política com identidade, o resultado é sempre a intolerância.

Para Poliakov, e também para nós hoje, o desafio está em não permitir que o ódio se esconda atrás de discursos aparentemente legítimos. Se quisermos uma sociedade mais justa e plural, precisamos cultivar a capacidade de crítica, sem jamais confundir a ação de governos com a identidade de povos inteiros. Essa é a verdadeira linha que separa política da intolerância.


A reflexão da educanda evidencia a atualidade do pensamento de Léon Poliakov, mostrando como a crítica política pode, muitas vezes, se confundir com preconceito.

Com o Projeto SAGRADO Acadêmico, o SAGRADO - Rede de Educação, reafirma seu compromisso com a formação crítica, ética e intelectual dos educandos. Publicados semanalmente no Jornal Noroeste de Nova Esperança, os artigos ampliam os espaços de expressão e estimulam o olhar analítico dos jovens.

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