SAGRADO Acadêmico apresenta artigo das educandas Beatriz Castro Luz, Bianka Infante de Nadai, Manuella Gibin Ribeiro e Maria Eduarda Benvindo Vidotti, 2ª série 1, sobre Cruz e Sousa e sua arte simbolista
Educação

O Projeto SAGRADO Acadêmico tem como objetivo promover o desenvolvimento do pensamento crítico, da escrita autoral e da capacidade argumentativa dos educandos. Por meio da produção de artigos fundamentados nos conteúdos abordados nos Componentes Curriculares, o Projeto estimula a pesquisa, o protagonismo e a reflexão sobre temas relevantes para a formação humana e intelectual.
Confira, na íntegra, o artigo produzido pelas educandas:
Cruz e Sousa: breve biografia e sua arte simbolista
Beatriz Castro Luz
Bianka Infante de Nadai
Manuella Gibin Ribeiro
Maria Eduarda Benvindo Vidotti
O Simbolismo é um movimento literário que emergiu na França em 1857, com a publicação da obra “As Flores do Mal”, de Charles Baudelaire. Caracterizado pela valorização do mistério, da musicalidade e das experiências sensoriais, o estilo simbolista buscava ultrapassar a realidade concreta para explorar os domínios do abstrato e do espiritual. No Brasil, no entanto, essa estética não alcançou o mesmo impacto. Conforme observa Alfredo Bosi, “o Simbolismo não exerceu no Brasil a função relevante que o distinguiu na literatura europeia”, tendo se manifestado como um “surto epidêmico” que não conseguiu romper com a literatura oficial. Ainda assim, produziu obras notáveis, como as de João da Cruz e Sousa (BOSI, 2015, P. 238).
Nascido em Desterro, atual Florianópolis (SC), em 24 de novembro de 1861, Cruz e Sousa teve uma trajetória marcada por desafios sociais e raciais. Atuou em companhias de teatro, dirigiu um jornal abolicionista e, mais tarde, no Rio de Janeiro, trabalhou como arquivista na Central do Brasil. Faleceu prematuramente em 19 de março de 1898, em Curral Novo (hoje Antônio Carlos, MG), vítima de tuberculose, aos 36 anos.
A obra de Cruz e Sousa é profundamente marcada por elementos do Simbolismo, como o rigor formal, o uso de sinestesias, o pessimismo e a espiritualidade, além de aspectos singulares como a simbologia da cor branca e a presença de uma temática social que evidencia o sofrimento humano e a discriminação racial. Segundo Alfredo Bosi, o poeta “se vê dilacerado entre matéria e espírito”, associando à sua linguagem poética uma tensão constante, “acabando por acusar os limites expressionais do verbo humano” (BOSI, 2017, p. 115). Essa tensão se expressa de maneira intensa em poemas como “Antífona”. Desse modo, sua experiência pessoal de exclusão foi transformada em matéria poética, constituindo uma literatura que, ao mesmo tempo que se alinhava à estética simbolista europeia, denunciava as desigualdades vividas por um homem negro no Brasil do século XIX.
Um exemplo emblemático de sua produção é o poema "Antífona", que abre o livro “Broquéis”, publicado em 1893. Embora não trate de forma explícita do racismo enfrentado pelo autor, o poema carrega, de maneira velada, um profundo sentimento de dor existencial e sofrimento. Tal sentimento pode ser identificado em versos como:
“Flores negras do tédio e flores vagas / De amores vãos, tantálicos, doentios... / Fundas vermelhidões de velhas chagas / Em sangue, abertas, escorrendo em rios...”.
Nesses versos, a dor e o sofrimento ganham contornos simbólicos e universais, transcendendo o aspecto biográfico para tocar dimensões mais amplas da condição humana. Ao mesmo tempo, o poema estabelece um ideal de beleza elevado e espiritualizado, presente logo na estrofe inicial: “Ó Formas alvas, brancas, Formas claras / De luares, de neves, de neblinas!”.
As imagens associadas à luz, à brancura e à pureza são recorrentes e constroem um imaginário etéreo, característico da estética simbolista. O poema se destaca também pelo uso intenso de figuras de linguagem, como a sinestesia, que mistura sensações táteis, visuais, olfativas e auditivas, criando um efeito sensorial intenso. Essa característica é evidente na quarta estrofe: “Visões, salmos e cânticos serenos, / Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes... / Dormências de volúpicos venenos / Sutis e suaves, mórbidos, radiantes...”.
As palavras escolhidas provocam múltiplas sensações no leitor, como se os versos fossem vivenciados fisicamente, e não apenas compreendidos intelectualmente. Há também uma forte presença da musicalidade, tanto na escolha vocabular quanto no ritmo dos versos, que remete a um ambiente sacro e contemplativo. Termos como “surdinas”, “soluçantes” e “salmos” acentuam essa atmosfera. Outro traço marcante do Simbolismo é o mistério. O poema evita explicações diretas e aposta em imagens vagas e enigmáticas, como “visões” e “venenos”, criando um campo aberto para interpretações subjetivas.
A estrutura do poema obedece à métrica decassilábica (versos de dez sílabas poéticas), comum na tradição poética clássica, e embora o soneto seja uma forma recorrente, Cruz e Sousa também experimentou outras composições, como estâncias e versos livres, mantendo o rigor métrico e a harmonia rítmica.
Em “Antífona”, Cruz e Sousa sintetiza de maneira contundente os elementos essenciais do Simbolismo: sonoridade, misticismo, sensorialidade e subjetividade. Sua poesia, repleta de emoção e refinamento estético, vai além da forma e do conteúdo, provocando no leitor uma experiência sensorial e espiritual. Mesmo sem explicitar o sofrimento racial, sua obra carrega uma sensibilidade rara ao tratar da dor, do isolamento e da transcendência.
Mais de um século após sua publicação, os versos de Cruz e Sousa permanecem atuais, dialogando com questões universais como a solidão, a busca por sentido e a luta contra a opressão. Seu legado literário não apenas consolidou o Simbolismo no Brasil, como também conferiu profundidade e relevância a uma poesia que ainda ecoa nos desafios da contemporaneidade. Sua produção continua a inspirar reflexões sobre a condição humana e o papel da arte diante das dores e injustiças do mundo.
Ainda que o Simbolismo brasileiro tenha sido considerado periférico por parte da crítica, obras como “Broquéis” atestam seu valor estético e sua potência de reflexão. Cruz e Sousa, apesar das limitações históricas do movimento no país, soube — nas palavras de Bosi — “fecundar o mistério dos versos com a chama ideal de todos os mistérios” (BOSI, 2015, p. 20), fazendo da sua dor pessoal um instrumento de denúncia e transcendência.
O artigo reflete a sensibilidade e a maturidade intelectual das educandas ao analisarem a poesia de Cruz e Sousa sob a perspectiva do Simbolismo e de suas implicações sociais. O Colégio Coração de Jesus, Unidade Educacional do SAGRADO – Rede de Educação, reafirma seu compromisso com a formação crítica, ética e intelectual dos educandos, valorizando a produção autoral como parte essencial do processo educativo.
Os textos do Projeto SAGRADO Acadêmico são resultado de um trabalho contínuo de pesquisa, reflexão e escrita, conduzido pelos educandos com orientação dos educadores. Todas as produções são publicadas semanalmente no Jornal Noroeste de Nova Esperança, em uma parceria que busca dar visibilidade ao pensamento e à voz dos jovens autores, reconhecendo o protagonismo estudantil e estimulando o diálogo entre a educação e a comunidade local.